Não há coisa melhor do que embrenhar-se na cultura do povo, ver seus gestos, sua maneira de falar. Saber o que e como faz, é sentir o âmago de um lugar, assim tem sido a experiência em palmilhar os caminhos dos Cariris Velhos, estradas sem fim, calor e a poeira dos tempos bailando como o nadar de uma medusa em águas profundas. Cheiro do mato, do chão, dos objetos e dos alpendres de fazendas antigas. Nas cidades, o seu comércio, sua feira livre, o olhar as vezes curioso de quem curte a sombra nas calçadas a conversar todo tipo de assunto. O sair do colégio, as brincadeiras infantis, a ocupação das praças...
Semana passada fui ao meu Mundo-Sertão e tive uma experiência incrível que foi participar da organização do Museu Histórico e o Instituto Histórico e Geográphico de Gurjão - IHGG, município parahybano cheio de histórias e de grande importância regional, a velha Timbaúba. Parti de Campina Grande ao lado de Rossino Almeida (do Museu Interativo do Semiárido/UFCG) e do Prof. Daniel Duarte Pereira, amigo de muitos anos e um benfeitor à cultura parahybana não só pela criação de museus e a formação de turmas e mais turmas de alunos na UFPB em Engenharia Agrícola, mas não só isso, fazendo-os entender o sentido da existência na simbiose do conhecimento da terra, a cultura inserida e a rica história que tece essa que é uma das grandes razões de sua vida, sobretudo no contexto do semiárido a que tanto se dedica. Daniel está na teia de grandes caririzeiros que por gerações cantam, estudam e vivem o algo sagrado do Cariri, um continuador da linhagem de Balduíno Lélis, Pedro Nunes Filho, Manelito Dantas e alguns mais que hoje salteiam de brilho o céu virtuoso de nossos Cariris Velhos. Lá, em São João do Cariri, cidade mãe da região, criou o Instituto Histórico e Geographico do Cariri englobando em cento e cinco cadeiras, intelectuais amantes dessas terras, criando uma espécie de movimento cultural em suas reuniões itinerantes, reunindo sempre muita gente. Instituição que fui agraciado como sócio em 2007 na Roliudiana Cabaceiras.
Uma viagem como essa é sempre enriquecedora. Momento de aprendizado, de observação das coisas e do mundo, azeitada em uma descontração alegre e genuína, espantando quaisquer resquícios de monotonia. Por esses tempos, depois de uma chuvada, não raro observamos pinceladas amarelas nos aceiros e nos campos, são as malvas cor de sol que animam o olhar e perfumam as canelas dos caminhantes, como diz Daniel: “São as bordaduras paisagísticas das estradas do Semiárido”.
Já em Gurjão, a se juntar com as peças já recebidas, fomos em comitiva visitar algumas residências e fazendas, além de lugares de trabalho como marcenaria, oficinas, etc, conversar com as pessoas, explicar o sentido do museu e angariar peças, nisso fomos muito bem-sucedidos. Daniel, Rossino e eu nos unimos ao Presidente do IHGG Carlos Costa que é Secretário municipal de Meio Ambiente e um dos grandes responsáveis pelo sucesso do projeto, além do mais, com Daniel estão criando uma Área de Preservação Ambiental no município e um amplo projeto educacional voltado ao Semiárido.
Entre os solavancos em carregar peças pesadas, disposição em organizar tudo e prover o que precisava para o intento, foi uma atividade hercúlea e por isso de muita satisfação. Até carro de boi ganhamos de Seu Babá, uma preciosidade. Na verdade, parte do acervo tem anos que foi reunido por minha amiga Ritinha Cantalice e seu sonho de ver um museu histórico acabou sendo realizado. Isso com a sensibilidade e benevolência do Sr. Prefeito José Elias, que é também historiador, professor e sabe o legado cultural que precisa deixar para a população.
No sábado (29/jul/23) foi um dia de festa na inauguração do Museu que tem como patrono o inesquecível Major Raulino de Medeiros Maracajá e do IHGG casa de Pe. Ibiapina, um grande líder em toda a região e figura por demais importante para a intensa religiosidade em Gurjão, sob as bênçãos do padroeiro São Sebastião.
Passados alguns dias, mais doações tem chegado e o Museu Histórico vai criando cada vez mais a cara do município em sua diversidade e complexidade e cada doação é um símbolo de que a sociedade está entendendo a seriedade e, sobretudo, o grande objetivo daquele equipamento que é celebrar e valorizar a história e a cultura regional da velha Timbaúba de Gurjão.
Thomas Bruno Oliveira
Historiador e Jornalista - 3372-PB
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