Depois de um cansado dia de pesquisa, subindo e descendo serra, deu seis da tarde de um sábado e o que eu mais desejava era tomar um banho, comer um bom prato de cuscuz com leite e ovo de capoeira, saboreando um quente e forte café e dormir naqueles aposentos para no outro dia poder continuar as prospecções bem inteiro e descansado, até que, de calção, sem camisa, conferindo as fotografias do dia ouço uma voz:
– Thomas, Thomas, podes vir aqui na sala?
Era a voz do velho Professor Rosa. Saudoso Rosa.
– Nos chamaram ali para um forró, vamos?
Eu poderia negar, tergiversar, não querer. Mas, sou historiador, um cientista social, alguém que observa a vida, o cotidiano, as pessoas e as coisas. Tomei um fôlego e vi uma grande oportunidade em saber como era um forró, ou como dizia meu velho amigo Biliu de Campina: um samba, um tarrabufado, um forrobodaço, uma forrobodança, aquela festança que só o Mundo-Sertão sabe como é. Eu já tinha participado de tantas festas, soltado balões e pulado fogueiras em meu Cariri... Tinha uma expectativa de festa naqueles confins do sul dos Cariris Velhos, terras inóspitas, chão pedregoso, de vegetação espinhenta, de um céu límpido e maravilhoso. E fui. Estava eu em Camalaú, cidade bucólica, pequena, bonita e singela, de um povo caridoso, generoso e simples, como diz o amigo Padre João Jorge Rietveld, povo que não tem nada, mas reparte com você aquela coisinha que tem.
Nos solavancos de um Toyotão ampliado, acredito que feito na região de Santa Cruz do Capibaribe-PE, andei na faixa de uns quinze quilômetros sob o céu do meu Mundo-Sertão. Pela janela, olhava o horizonte, a cada metro que andávamos, sentia aquele cheiro gostoso de mato, marmeleiros e juremas que enfeitavam os aceiros das estradas, com aqueles garranchos que “arranham pensamentos” como disse o compositor Maciel Melo. Daí chegamos em um território lindo e mágico, a saber: No meio de quase nada, para onde olhávamos não havia um só bico de luz no horizonte. Deus tomava conta de nós.
E finalmente chegamos a festa.
Vou tentar narrar para vocês: Um terreiro plano, onde funcionou uma antiga sede de fazenda, se bem me recordo, o nome é Caiçara, deu logo a ideia de que ali próximo tinha um riacho, mesmo que temporário. Nos arredores, três fios de gambiarra, bicos de luz amarelas, charmosas e um som vindo lá de dentro da casa, era um forró, como dizemos no Cariri, comendo no centro. Desci da Toyota, pisei no terreiro alumiado, observei o ambiente tão singelo e adentrei. Estava curioso a saber como era aquela festa em um cômodo de casa. Subi três degraus, justamente a altura da sapata da casa, e me surpreendi com o que vi. Primeiro que a casa não possuía paredes internas, ou melhor, a irregularidade do piso e dos mosaicos denunciavam antigos cômodos que não mais existiam. Também não tinha telhado, nem o madeiramento existia. Lá dentro, no equivalente do fogão à lenha da cozinha, um sanfoneiro de sorriso frouxo abria o fole da sanfona como a balançar uma saia de chita em uma mulher. Cantava solto feito cigarro em boca de bêbado. O “triangueiro” era um fungado da mulesta, já o zabumbeiro parecia aquele inspetor de quarteirão, com um farto bigode e aparência sisuda, nem parecia estar gostando da festança.
O poeirão levantava, o barulho das chinelas a cada passo, parecia marcar passo no meio do salão. Chego perto do cuidador da porta e pergunto como se faz ali para tomar uma lapada de cachaça e ele responde:
– Aqui dentro só se dança! Quer beber? É lá no lado de fora.
Já tinha dançado umas cinco músicas com uma morena dos cabelos negros e compridos, ela me olhava de baixo para cima, encabulada que era. Seu sorriso era lindo, dava um contorno sem igual ao seu rosto por onde o vento deixava o cabelo balançar como uma cortina ou véu, escondendo o que queria esconder. Seu cangote cheirava ao fogo do ferro que passou seu vestido de chita. Cheiro amatutado, uma riqueza!
Solto a morena e vou lá fora. Ao lado da casa, uma barraca improvisada vendia cerveja à temperatura natural, que no alto daquele planalto batia uns 25ºC, vendia também uma cachaça em uma garrafa de vidro esverdeado sem rótulo, uma brejeira da boa vinda da região do brejo. Pedi uma lapada e ganhei uma piabinha assada. Agradecido, troquei algumas palavras. A saber da casa sem telhado, perguntei ao vendedor como faziam em momento de chuva, ele passou a mão na boca, sorriu e disse: – Não, não moço, por essas bandas não chove não! Sorrimos e voltei ao salão feliz sob o luar do Mundo-Sertão.
Thomas Bruno Oliveira
Historiador e Jornalista - 3372-PB
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