O Senhor do Bonfim que lhe emoldura com o seu manto
• lCarlos Casaes e Carla Maria
Sem a menor dúvida de que o mais projetado ícone de Salvador, que é, inquestionavelmente, uma marca da própria Bahia, é o ELEVADOR LACERDA. Cidade por si só naturalmente “icônica”, transborda num dos seus maiores símbolos a curiosidade de quantos a visitam, como ainda da sua própria população. Curiosamente dividida em duas partes perfeitamente distintas, o que é resultante da sua constituição física, a Cidade Alta contempla da sua magestosidade a sua outra metade: a Cidade Baixa. E ambas se conectam por um dispositivo tanto inédito quando curiosamente deslumbrante: o ELEVADOR LACERDA.
É ele o principal condutor de toda a população que se desloca entre o começo de tudo, a Cidade Baixa, até o Centro Histórico da cidade que é a sua Cidade Alta. Este desnível, mesmo, é o grande diferencial de Salvador para todas as demais cidades brasileiras. O Elevador Lacerda é pois, a principal conexão entre os dois estilos da urbe baiana.
Um século e meio promovendo a conexão. Já são nada menos do que cento e quarenta e nove anos – praticamente um século e meio, pois – que ele é o responsável pela interligação. A verdade é que foi tanto idealizado quanto construído pelo engenheiro ANTÔNIO DE LACERDA, e tem a dimensão, na sua verticalidade, correspondendo, praticamente, a um edifício de 24 andares. Mas a sua versão atual gasta apenas alguns segundos para o transporte desde a Praça Cairu até a Praça Tomé de Souza (ou Praça Municipal).
(Uma curiosidade é que ANTÔNIO LACERDA foi ancestral de familiares famosos em Salvador, como os consagrados pianistas CARLOS e TONINHO LACERDA).
A sua imponência (do elevador) estilizada é, sem dúvidas, o grande impacto para quem chega à cidade pelo mar. Seja dia ou seja noite, O seu elegante perfil chama a atenção logo que se descortina a paisagem exuberante do frontispício da cidade com a sua grande característica e diferencial.
É de se testemunhar que, diariamente, são milhares de usuários que trafegam pelos seus 74 metros de altura. Subindo ou descendo. Especialmente os turistas que têm no Elevador Lacerda um dos seus principais atrativos na cidade, todos os dias. Antônio de Lacerda (que viveu na sua Cidade do Salvador entre os anos de 1834 a 1885) alimentou, durante a sua infância e mocidade, um sonho – como todas as pessoas lúcidas, especialmente na sua profissão de arquiteto conquanto, diz a história através de alguns depoimentos, não fosse oficialmente diplomado naquela profissão.
Ainda quando transcorria o século XIX, alimentou, durante anos, o desejo de materializar a sua ideia de unir os dois planos da cidade. Seria, pois, a construção do primeiro elevador urbano do mundo. A sua pertinácia consagrou-o, portanto, pela sua intempestividade e realização, cujo produto encontra-se, ainda hoje – e por muito tempo à frente – conduzindo a população e os visitantes da cidade.
Vencendo os tantos obstáculos. A consecução do seu projeto não pode ser considerada como uma ideia pacífica. Muito ao contrário, para atingi-la, teve que vencer inúmeras dificuldades consequentes da ousadia do projeto. O sonho, na verdade, era possibilitar a maior proximidade entre dois dos maiores destaques da cidade, também, que são o Mercado Modelo na parte baixa e o Pelourinho, no Centro Histórico da parte alta.
O que ele pretendia, indiscutivelmente, era, através de uma proposição extremamente ambiciosa para a época, vencer as dificuldades que eram impostas, naturalmente, pela grande falha geológica de cerca de 60 metros entre aqueles dois níveis. O que resolveria consideravelmente a logística da ligação, que perdurava desde a sua fundação em 1549.
A ideia posta era de vencer a característica muito especial dos terrenos entre as duas cidades, com alternativa tanto de transporte de pessoas como de carga, situação que era extremamente dificultada, quando se imaginava o transcurso natural de ladeiras.
Foi o aperfeiçoamento da ascensão. Na realidade, mesmo ainda no século XVII, informam-nos os que vivenciaram aquela época, que alguns instrumentos já funcionavam como autênticos ascensores, para promover a ligação entre as duas cidades. Indicam-nos, inclusive, que, em 1610, eram os “guindastes” que serviam aos dois planos, ainda que de modo inclinado. Também se asseguram de que aqueles instrumentos eram construídos e administrados pelas ordens religiosas, como era o caso da Companhia de Jesus. Para cuja afirmação, inclusive, é lembrado o mais badalado daqueles dispositivos, local o qual quedou conhecido, por isto mesmo, como “Guindaste dos Padres”.
No entanto, aqueles instrumentos mesmo precários destinavam-se, contudo, ao transporte de carga. Eram, portanto, ainda, até a metade do século XIX, utilizados com tais objetivos. A população e, enfim, todas as pessoas que se dispusessem a se deslocar entre os dois planos, teriam mesmo que utilizar as mal cuidadas ladeiras e as eventuais escadas que se foram improvisando.
Já se começava a sistematizar o transporte público. No caso do transporte urbano, naquele momento, já se começavam a instituir as concessões públicas. Inclusive já se adotavam o sistema moderno, para a época, dos “bondes”, embora com tração animal, então. Isso acontecia até nas duas cidades, “alta” e “baixa”. Era quando transcorria já o fim dos anos 1860.
Contudo, padecia Salvador da imperiosa necessidade de integrar o seu transporte urbano, tendo em vista o desenvolvimento que já se impunha em toda a cidade. Aquela preocupação, então, conduziu o baiano ANTONIO DE LACERDA a se imbuir da ideia e do entusiasmo, no sentido de idealizar e promover a consecução de um empreendimento, em verdade, muito atrevido para a época.
Foi quando lhe surgiu a luminosa ideia de erigir um autêntico marco na história da arquitetura, o Elevador Lacerda que, ainda hoje está pontificando mesmo no panorama internacional.
Lacerda já se articulava no setor. É de se atentar para o fato de que o baiano Lacerda, àquela altura, já se articulava no comando da gestão de bondes, então, de tração animal. Mas ele aspirava muito mais para destinar à sua cidade. Foi quando ele se valeu do apoio do seu irmão – Augusto Frederico Lacerda (nascido em 1836 e falecido em 1931) – até porque já se desenvolvia no comando da Companhia de Transportes Urbanos.
São afirmações, à época, do próprio ANTÔNIO DE LACERDA: “Sendo o Elevador Hidráulico uma invenção nova tentada no país, e o seu projeto o mais gigantesco, em relação, mesmo, aos “Lifts e Hoistings Machines” existentes na Europa, pela altura de sua torre e extensão do seu túnel através da rocha viva, eu bem sabia que a empresa havia de encontrar obstáculos perante a indústria acanhada e rotineira da província, por falta de conhecimentos teóricos e práticos de uns, pela dúvida e incerteza de outros, e, finalmente, pela descrença de muitos, que longe de auxiliá-lo com seus capitais e influência, consideravam e propagavam ser ele uma utopia”.
Tantas foram as dificuldades reais, contra as quais LACERDA não, simplesmente, se insurgiu mas enfrentou, que a construção do seu projeto levou nada menos do que 4 anos. Porquanto, no dia 8 de dezembro do ano de 1873, consagrado a Nossa Senhora da Conceição da Praia, conseguiu-se inaugurar o instrumento que se denominou, então, por “Elevador Hidráulico da Conceição”.
Somente no ano de 1894 que se conseguiu rebatizá-lo com o seu nome que, até hoje, é consagrado: ELEVADOR LACERDA. Atitude que se constitui numa justíssima homenagem ao seu idealizador e construtor.
Carlos Casaes
Jornalista
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